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Empresas e universidades têm de falar a mesma língua
 

A economista Isabel Pereira está na ONU desde Junho e tem um percurso Académico digno de prémios europeus. Para existir inovação em Portugal, defende, é preciso pôr empresas e universidades a trabalhar em conjunto.

Isabel Pereira chegou em Junho a Nova Iorque com bagagem para uma estadia prolongada. Era a primeira vez que visitava a cidade e se estreava fora da Europa no mercado de trabalho. Aos 33 anos, a investigadora portuguesa que venceu a edição deste ano do Prémio de Jovens Economistas, atribuído pela Associação Europeia de Investigação em Economia Industrial (EARIE), assumiu o cargo de especialista de políticas no gabinete do Relatório de Desenvolvimento Humano, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.

“A minha função é investigar e redigir capítulos do relatório. Está a ser uma experiência exigente mas muito interessante. Fazem-se propostas de análise e propostas políticas”, conta, durante uma passagem por Lisboa. O ritmo de trabalho é intenso. Não são raras as vezes em que Isabel Pereira passa 12 horas no gabinete, mas a experiência é compensadora, garante.

A economia sempre esteve nos seus objectivos profissionais e ditou o rumo na hora de escolher a licenciatura. “É uma ciência que junta os aspectos quantitativos e matemáticos e, por outro lado, responde aos problemas mais gerais de optimização de recursos escassos. Foi uma escolha natural”, esclarece acrescentando que a sua prioridade de investigação é a inovação. Depois do curso na Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, onde se especializou em Economia Industrial, Isabel Pereira foi gestora de produtos de seguro não vida no BES-Seguros. “Dois anos depois, senti saudades da vida académica e voltei à universidade”, conta. O primeiro passo foi iniciar um programa de doutoramento em Economia. Na mesma altura, em 1998, assumiu o cargo de professora assistente na Faculdade de Ciências Económicas e Empresariais, da Universidade Católica. “Aprendi imenso a dar aulas porque é preciso desmantelar peça a peça o que já sabemos. Encontrei perfis diferentes de alunos, mas de uma maneira geral, eram todos muito motivados. Sobretudo os do primeiro ano, que têm uma curiosidade imensa”, afirma.

Trabalho de equipa

Depois do mestrado em Economia na Universidade Nova e outro em Análise Económica já na Universidade de Barcelona – onde obteve a classificação de Excelente – Isabel Pereira começou a dar aulas em Espanha enquanto preparava a tese de doutoramento, orientada por Inés Macho-Stadler, reconhecida economista e a primeira mulher a fazer parte do conselho de administração da Iberdrola.

“Fui para a Universidade Autónoma de Barcelona onde também leccionei a área da minha especialização, economia industrial. Escolhi esta universidade porque tem os melhores profissionais, com os melhores currículos, e um espírito de equipa fundamental para ter terminado o meu doutoramento com bons resultados”, diz. A explicação bate certo com a classificação que obteve: um excelente com distinção. Graças aos bons resultados, a candidatura ao cargo de especialista de políticas do Relatório de Desenvolvimento Humano teve bons frutos. “Todo o processo de selecção e recrutamento durou de Janeiro a Abril. Houve entrevistas telefónicas, algumas “conference calls” [reuniões à distância], enviei artigos que já tinha escrito e expus as minhas motivações. Recebi a notícia na Páscoa e, em Junho, estava em Nova Iorque”, recorda.

Lentidão na mudança

Com um percurso académico seguro, Isabel Pereira ganhou ferramentas extra para analisar a realidade, nomeadamente a questão da inovação que aborda nos seus trabalhos. Quando a sua atenção recai no cenário português, a jovem economista não hesita em apontar o dedo à falta de comunicação entre universidades e empresas e às diferenças, por vezes incompreensíveis, entre estes dois mundos. “Há muito para fazer. Uma das soluções para fomentar a inovação é pôr as universidades e as empresas a trabalharem em conjunto. Há empresas que têm instrumentos para resolver problemas das universidades e vice-versa. Convém olharmos para o mesmo sítio”, avisa.

O diagnóstico feito pelo EIS (European Innovation Scoreboard) em 2006 à performance portuguesa na inovação não é animador. As principais conclusões referem-se a um “fraco desempenho geral, com a maioria dos indicadores abaixo da média europeia, especialmente no que diz respeito à educação e recursos humanos qualificados, e ao envolvimento das empresas em investigação e desenvolvimento e propriedade intelectual”. Apesar de se registar alguma recuperação, é demasiado lenta.

“É preciso fazer mais formação do lado das empresas, ter recursos mais qualificados e, sobretudo, falar uma linguagem comum. O trabalho conjunto entre as universidades e as organizações é essencial, sobretudo, deve existir uma comunicação clara e simples, que respeite a identidades de cada interveniente”, sublinha Isabel Pereira. E acrescenta: “Os cientistas existem para alargar conhecimentos. As universidades devem ajudar as empresas a resolver os problemas”.

A solução, continua, não passa por transformar todas as universidades em “business schools”. Só através da investigação é possível promover “de forma sustentada a inovação”. Para além da ligação entre empresas e universidades, o diálogo entre as instituições do ensino superior é fundamental para optimizar meios. “Num país pequeno como o nosso, se as instituições, nomeadamente as universidades, não cooperarem há duplicação de recursos”, aponta. A economista dá como exemplo a Universidade Autónoma de Barcelona, onde todas as semanas se organizam seminários em que professores e investigadores se juntam para discutir problemas e partilhar ideias. “Quando lá estava havia três conferências por semana, duas com participações externas. Os convidados davam uma espécie de ‘mini-cursos’, discutiam-se artigos ainda por publicar, trocavam-se ideias e sugestões. Penso que faz falta esse tipo de encontros porque há experiências diferentes”, defende.

A inovação conquista-se à custa da investigação partilhada. Porque os dois mundos (o académico e o empresarial) têm mais a ganhar juntos.

19-10-2007

Fonte: Público – Suplemento de Economia

25-10-2007
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